Classificada como a doença epidêmica global do século 21, a obesidade é responsável pelo aparecimento, desenvolvimento e agravamento de doenças bastante sérias, como diabetes, hipertensão arterial, câncer e até infarto.
O que pouca gente sabe é que diversos estudos já associam o excesso de peso ao surgimento de problemas bucais, como a periodontite – uma inflamação nas gengivas, ossos e ligamentos que dão sustentação aos dentes.
Um deles, feito pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA), acompanhou 37 mil homens por 16 anos e percebeu que a obesidade estava associada a um aumento de 29% dos casos de problemas inflamatórios bucais. Segundo os cientistas, isso seria causado por substâncias inflamatórias produzidas nas células de gordura.
Outro estudo, realizado na Universidade Estadual de Nova York, também apontou que o excesso de peso está relacionado ao aparecimento da periodontite. Este, no entanto, apontou a resistência à insulina – condição muito frequente em diabéticos – como a culpada da história, pois ela pode levar à ocorrência de inflamações.
Uma pesquisa feita no Instituto Forsyth, em Boston (EUA), sugere a associação entre a obesidade e a presença, na boca, de uma bactéria chamada Selenomonas noxia. Publicada no Journal of Dental Research, ela avaliou 313 mulheres saudáveis com sobrepeso ou obesidade nível 1 – com circunferência de cintura entre 80 e 88 centímetros – e constatou a presença desse microorganismo em 90% das participantes. Os pesquisadores notaram ainda que a Selenomonas noxia é bastante comum em pacientes com periodontite, mas não chegaram a concluir se é ela que causa a obesidade ou se a própria obesidade que favorece o aparecimento da bactéria.
Culpa da imunidade
De acordo com a endocrinologista Priscila Cukier, do Hospital Santa Catarina, em São Paulo, pessoas obesas são mais suscetíveis a diversos problemas de saúde porque têm a imunidade mais baixa do que as de peso normal. “Isso acontece porque as células adiposas presentes nos tecidos viscerais levam à produção de citocinas, substâncias que causam processos inflamatórios. Com isso, ocorrem inflamações desordenadas e a produção de radicais livres”, explica.
Com as defesas do organismo reduzidas, os obesos têm mais tendência ao crescimento e ao desequilíbrio do biofilme oral – um conjunto de micro-organismos que naturalmente vivem dentro da boca. “Quando essa harmonia é afetada, surgem alterações, como a gengivite e a periodontite. Quando não são tratadas, elas podem evoluir e levar a problemas bastante sérios na boca, incluindo a perda dos dentes”, alerta a dentista Carmen Luiza Mourão, especialista em Periodontia da Clínica MultiOral, no Rio de Janeiro.
Mas não é só na boca que o estrago é feito. As toxinas bacterianas que decorrem da inflamação da gengiva podem entrar na corrente sanguínea e afetar outras partes do corpo, como coração, pulmão, rins e articulações, entre outras, causando doenças sistêmicas.
Caso o obeso tenha diabetes, o cuidado precisa ser dobrado. “Se a doença não estiver controlada, é bem possível que haja maior incidência de problemas bucais. No caso da periodontite, por exemplo, ela pode interferir no controle da glicemia, prejudicando o tratamento”, diz a especialista.
Mastigação afetada
Outros efeitos indesejados da obesidade são as disfunções mastigatórias e respiratórias. Segundo a estomatologista Carla Araújo, do Rio de Janeiro, pessoas acima do peso, em geral, têm o hábito de engolir alimentos em grandes porções, sem triturá-los com os dentes. A não-utilização correta deles e uma mastigação inadequada podem levar a problemas articulares na face.
“E, como muitas delas respiram pela boca, o oxigênio acaba não sendo aproveitado como deveria pelo organismo. Isso pode resultar em uma série de problemas de saúde”, afirma.
Higiene é fundamental
As mudanças nos hábitos alimentares também vêm sendo apontadas como causa de problemas bucais. Segundo o Ministério da Saúde, nos últimos 30 anos os brasileiros vêm trocando o consumo de alimentos naturais, ricos em nutrientes e fibras, pelo de produtos industrializados, repletos de açúcares, gorduras e carboidratos. Isso não só resulta em aumento de peso, mas no aparecimento de cáries e infecções na boca.
“Por comerem mais e com maior frequência, os obesos tendem a deixar um pouco a higiene oral de lado. A má alimentação já pode afetar a imunidade, mas a causa também pode ser uma escovação ineficiente”, aponta a endocrinologista Priscila Cukier.
Para dar os primeiros passos na prevenção, é preciso caprichar na limpeza. “Na prática, significa limpar toda a superfície do dente com escova, fio ou fita dental e escova interdental. Um dentista pode dar instruções de como fazer isso sem causar danos aos tecidos e também não perder muito tempo nessa limpeza”, ressalta Carmen Mourão.
Essa rotina diária ajuda a evitar o surgimento da placa bacteriana, que causa inflamações na gengiva. “A higiene deve ser feita após cada refeição e essa recomendação é válida para tanto para quem já apresenta infecções bucais como para quem ainda não manifestou o problema”, sublinha a estomatologista Carla Araújo.
Se as infecções bucais já tiverem aparecido e estiverem em estágio avançado, é preciso fazer tratamento cirúrgico com acompanhamento de um periodontista. Pacientes obesos portadores de doenças crônicas que usam medicamentos continuados devem ir ao dentista de três em três meses para uma profilaxia mais adequada.
Qualidade de vida
Para evitar todas essas complicações, a melhor solução é emagrecer. “Uma perda de 5% a 10% do peso já faz uma boa diferença”, comenta Priscila Cukier. Para isso, é preciso adotar a reeducação alimentar, com o consumo de fibras, vitaminas (como a C e a D) e minerais. A ingestão adequada de líquidos também é recomendada, pois aumenta o trânsito intestinal e limpa o organismo. E, por fim, a prática regular de atividades físicas, que é comprovadamente uma grande aliada na batalha contra os ponteiros da balança.