Postado em 12.11.2011, por Paulo Pimentel, no blog Portal da Medicina Oral
O desafio da reestruturação da Odontologia com maior valorização das áreas da Medicina Oral tem sido trazido à tona pela atuação dos departamentos de Odontologia das entidades médicas (DOEM), pelos Ministérios da Saúde (MS) e Educação (MEC) através das Residências Multiprofissionais, pelas Comissões de Medicina Oral e Odontologia Hospitalar dos Conselhos Regionais de Odontologia (CMOH-CROs), pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), pelas entidades representativas das especialidades odontológicas, pelas entidades acadêmicas da Odontologia e por associações diversas interessadas no tema, como a Associação Brasileira de Odontologia Hospitalar (ABRAOH) e a Sociedade Brasileira de Medicina Oral (SBMO).
Cada entidade possui suas preferências, seus modelos de transformação profissional, de atuação profissional, de vinculação acadêmica e de criação de um espaço onde a Odontologia tenha uma maior valorização de seu trabalho, no qual não apenas os dentes, gengivas e a boca sejam o foco do seu modus operandi. Assim, é natural que apareçam divergências de pensamento e de atitude para levar adiante este processo de mudança e crescimento profissional.
DEPARTAMENTOS ODONTOLÓGICOS DE ENTIDADES MÉDICAS
Os DOEM, tendem a divulgar e privilegiar as atuações ligadas às sociedades que lhes abriga. As vantagens desta visão estão na sua relação direta com as entidades que regulam a atuação médica e que, por este motivo, possuem força política e institucional, além de propiciar contato direto com os futuros referenciadores de pacientes e espaço profissional. Através das entidades médicas os DOEM possuem imenso valor ao agregar os pontos de vista de quem vive a realidade interdisciplinar e pode contribuir na construção de um novo modelo de Odontologia focada nos protocolos e parcerias. Alguns destes DOEM têm proposto a criação de certificações da atuação odontológica dentro destas sociedades ou associações médicas. Sua maior desvantagem, está no fato de haver um desligamento dos conceitos legais que regem a atividade profissional do Cirurgião Dentista, dificultando, por exemplo, a certificação perante o órgão regulador da profissão, o CFO. Outra desvantagem que esta visão apresenta é a existência de pelo menos 30 entidades médicas que podem abrigar os DOEM, o que pode provocar, uma fragmentação das visões e possibilidade de embates futuros, se todas resolverem seguir o mesmo caminho de autocertificação. Por exemplo, em um caso de um paciente idoso, cardiopata, nefropata, diabético, obeso, apneico e portador de câncer que esteja internado no CTI com uma lesão em mucosa oral, deveremos ter um odontogeriatra, um odontocardiologista, um odontonefrologista, um odontoendocrinologista, um CD que atue em odontologia do sono, um odontointensivista e um estomatologista para atendê-lo?
RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS
A visão das autoridades de saúde pública foi motivada, em grande parte, pelos profissionais e acadêmicos oriundos do sanitarismo ou com formação em saúde coletiva ligados à Medicina, Odontologia e demais segmentos, com foco nas ações multiprofissionais. Assim o MS e o MEC referendaram o modelo das Residências Multiprofissionais (RMs), que valorizam a formação de grupos de trabalho em determinadas áreas que demandem a integração de conhecimentos e ações pertinentes a profissionais de formações diversas. Há hoje RMs com foco em Oncologia, Pediatria, Cuidados Intensivos, Cardiologia, Saúde Pública e propostas de criação de RMs e outras áreas onde cuidados interdisciplinares são essenciais. A maior vantagem desta formação é a possibilidade do aprendizado em serviço, da remuneração, do grande tempo oferecido e da visão interdisciplinar. As desvantagens são a falta de padronização, a inexistência da regulação pelo CFO e a possibilidade de competição a ser gerada com os especialistas já reconhecidos em Pacientes Especiais, Odontogeriatria, Especialistas em DTM-Dor Orofacial, Periodontia, Estomatologia e Odontopediatria, todas estas atuantes em áreas multiprofissionais. Afinal, como serão, por exemplo, os futuros critérios de admissão nos editais para o serviço público e órgãos acadêmicos? Se os editais privilegiarem os CDs que já possuem RMs haverá críticas do CFO, se privilegiarem os especialistas (do CFO) o MS e MEC serão desprestigiados. Outro problema semelhante citado acima com os DOEM poderá acontecer aqui, pois todas as áreas médicas são essencialmente multiprofissionais e assim poderão, no futuro, existir diversas RMs diferentes, cada uma com sua regra e padrão próprio.
COMISSÕES ESTADUAIS DE MO-OH DOS CROs
As CMOH-CROs, realizaram seu primeiro fórum em julho de 2011, durante o XX CIORJ, com o objetivo de discutir o problema da habilitação para a atuação odontológica na alta complexidade e em outros espaços onde existam necessidades baseadas nos protocolos da Medicina Oral. Foram apresentadas propostas para a viabilização de uma pós-graduação com uma base acadêmica e técnica que ofereça conhecimento médico e multiprofissional geral e vivências ao aluno. Através desta formação o corpo discente terá tido contato, tanto em nível terciário quanto nos níveis primário e secundário, com a experiência de promoção de saúde, limitação do dano e cuidados reabilitadores com os pacientes com comprometimento bucal e sistêmico. Tem a vantagem de propiciar o atendimento aos diversos tipos de problemas médicos com interesse na saúde pública, oferecendo a possibilidade de raciocínio fisiopatológico como base das condutas a serem estabelecidas, independente do órgão e sistemas afetados (e.g. o controle da candidose independe do paciente ser imunocomprometido, de ter câncer, de ser transplantado, de estar no CTI, de estar em internação domiciliar ou de estar em atendimento no posto de saúde). Tem ainda a vantagem de estimular a hierarquização de procedimentos na atenção à saúde bucal, fazendo com que a visão hospitalocêntrica seja substituída pelo atendimento interligado entre os 3 níveis de atuação, diminuindo, desta forma, a sobrecarga para o CD atuante na alta complexidade. Na modalidade de formação proposta pelas CMOH-CROs (inicialmente elaborada pela CMOH do CRO-RJ) o aluno, ao fim de sua capacitação, estará apto a atuar no ambulatório de um serviço de Odontologia Hospitalar, em enfermarias, em UTIs, em Centros Cirúrgicos ou em qualquer dos 3 níveis de atenção, sendo capaz de entender a pertinência de suas ações em relação com o local onde o paciente é atendido, intra ou extra hospitalar. Outras vantagens que esta formação oferece são a possibilidade de certificação pelo CFO (se aprovada em futura assembléia), de padronização e de integração com a maioria das atividades médicas, sem que se necessite da regulação ou certificação de suas sociedades. A maior limitação desta proposta é a de requerer, em um primeiro momento, algumas exigências para a admissão dos alunos e a aceitação do CFO, para que se torne uma habilitação oficial. E, em um segundo momento, a aprovação do MS e MEC para que seja aceita como residência em vários estados, como já ocorre com a CTBMF. Uma desvantagem desta modalidade é a possibilidade futura de competição com os especialistas reconhecidos pelo CFO nas áreas da Medicina Oral, o que demandaria uma necessidade de reestruturação do modelo de pós-graduação vigente.
O CFO E AS ESPECIALIDADES DA ODONTOLOGIA
O CFO, oficialmente, ainda não se manifestou sobre o tema, a exceção da formação em CTBMF, onde uma residência já é aceita como modalidade de pós-graduação, bastando que cumpra as exigências das suas resoluções. Das outras especialidades já estabelecidas, recentemente tivemos notícias do reconhecimento, pelo CFO, das formações em Pacientes Especiais e DTM-Dor Orofacial (da Residência em Odontologia Hospitalar que é oferecida pelo Hospital das Clínicas da USP). O CFO, ainda não manifestou, expressamente, o desejo de que outras formações sejam feitas em formato de residência, o que penso ser bastante vantajoso no caso da “generalista e interdisciplinar” Estomatologia, por exemplo, mas desnecessário no caso de formações específicas como a Dentística Restauradora. Há ainda o problema da fragmentação que houve ao se criarem diferentes especialidades com atuações equivalentes, como é o caso do grupo “Pacientes Especiais-DTM-Dor Orofacial-Estomatologia-Odontogeriatria-Odontopediatria-Periodontia”, onde o mesmo procedimento poderá ser executado por diversos especialistas. Assim, a criação de residências nas 19 especialidades reconhecidas não parece ser a via mais lógica que favoreça a mudança dos rumos da profissão, no que concerne ao atendimento ao paciente sistemicamente comprometido, apesar do óbvio aval do órgão regulador da profissão, se isso um dia vier a ocorrer.
AS ENTIDADES ACADÊMICO-CIENTÍFICAS DA ODONTOLOGIA
As entidades acadêmicas da Odontologia (EAO) são outro grupo com estreito interesse no tema, e engloba as faculdades de Odontologia e outras entidades que, atualmente, têm o direito de oferecer pós-graduações lato e stricto sensu, com o aval do CFO e MEC. Com a modificação do modelo de formação é esperada uma grande reviravolta nas pós-graduações em Odontologia, afinal, no modelo atual cabe ao aluno a remuneração por sua formação e nas residências o aluno recebe remuneração para aprender e trabalhar, semelhante ao que ocorre na Medicina. Assim, é possível que estas entidades possam ser afetadas financeiramente se o novo modelo se impor, exigindo a adequação às exigências dos órgãos de fomento, como o MS, ou fazendo parcerias com segmentos privados. Este panorama só deverá ser afetado nas áreas onde ocorra a concorrência das residências, i.e. nas áreas da Medicina Oral, e, provavelmente, não ocorrerá nas especialidades mais específicas e não dependentes do status sistêmico, como Dentística, Ortodontia ou Endodontia. É possível que a expansão do mercado da saúde bucal para estas novas fronteiras além do consultório privado tradicional, gere a necessidade de oferta aos estudantes de Odontologia, em nível de graduação, de internatos para permitir a experimentação desta nova realidade profissional, com consequente aumento do tempo total do curso.
AS ENTIDADES DA MO-OH E A DESCENTRALIZAÇÃO
Entidades novas, de cunho interdisciplinar e com foco nas ações em pacientes com necessidades sistêmicas, como a ABRAOH e SBMO, apresentam-se como propagadoras desta nova realidade mas, por não serem oficialmente reconhecidas como sociedades reguladoras da profissão, não exercem papel normatizador no presente cenário, apesar de oferecerem propostas de crescimento institucional, científico e técnico aos CDs que delas fazem parte. Pelo caráter múltiplo do exercício profissional que a Odontologia oferece, imagino que entidades como estas, as Comissões Estaduais de MO-OH, os DOEM ou mesmo entidades representativas das especialidades odontológicas, como a Sociedade Brasileira de Estomatologia e Patologia bucal (SOBEP), a Sociedade Brasileira de Periodontia (SOBRAPE) e a Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes Especiais (ABOPE) poderiam, em conjunto, no futuro ser designadas pelo CFO para exercerem papel normativo e regulador nas ações de interesse da Medicina Oral, de forma similar ao que ocorre na Medicina, onde as sociedades médicas conferem certificações e norteiam os rumos das respectivas áreas em parceria com o CFM.
CONCLUSÃO
Acima foram apresentadas as peças do tabuleiro para o jogo que está definindo o futuro da atenção à saúde oral dos pacientes com necessidades e peculiaridades sistêmicas nas áreas da Medicina Oral. Que as decisões sejam tomadas com base no bom senso e no desejo de servir à sociedade e ao usuário do SUS, preservando também os interesses dos esforçados profissionais que dedicam tanto do seu tempo para cuidar da saúde bucal da população.
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