Matéria da revista Época Online
CRISTIANE SEGATTO
Crianças autistas costumam receber anestesia geral quando precisam cuidar dos dentes. Como Adriana Zink consegue fazer diferente

OLHOS NOS OLHOS
Adriana e Juca no consultório montado na quadra da escola de samba Unidos de Vila Maria. Brinquedos a ajudam a estabelecer contato visual com os autistas
Adriana e Juca no consultório montado na quadra da escola de samba Unidos de Vila Maria. Brinquedos a ajudam a estabelecer contato visual com os autistas
Entre seus pacientes, há a mulher de 35 anos que arrancou um pedaço da bochecha da fonoaudióloga com uma mordida. Há também o menino que mastigou a falange do dedo da irmã. E ainda o pré-adolescente que arrebentou os dentes frontais da mãe. Como, então, Adriana consegue conduzi-los até a cadeira, fazer com que abram a boca e aceitem receber uma limpeza, uma restauração ou até mesmo a extração de um dente comprometido?

Quando precisa de atendimento odontológico (mesmo que seja uma simples limpeza), a maioria dos pacientes é internada num hospital para receber anestesia geral. Adriana decidiu tentar fazer diferente. Passou a frequentar reuniões de famílias de autistas, estudou os métodos de aprendizagem disponíveis e conseguiu adaptar algumas técnicas para a odontologia. Sua principal inspiração foi o método Son-Rise, criado nos Estados Unidos nos anos 70 pelos pais de um autista. A história dessa família foi retratada no filme Meu filho, meu mundo. O método incentiva os pais e os terapeutas a observar as preferências dos autistas e usá-las como recursos de aprendizagem. Outro método usado pelas famílias é o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (Pecs, na sigla em inglês). Por meio de figuras, a criança aprende a comunicar suas necessidades e a entender que uma atividade acabou e outra vai começar.
Adriana criou Pecs específicos para a odontologia. É assim que ela apresenta a máscara, a cadeira, o chuveirinho etc. Às vezes, precisa de quatro sessões só para conseguir convencer o paciente a sentar-se na cadeira. Quando isso não é possível e o procedimento necessário é simples, ela atende a criança no chão. Adriana quer que o método receba respaldo científico. Encaminhou um projeto de pesquisa à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e aguarda o resultado. Depois de comprovar a eficácia de sua abordagem, Adriana pretende ensiná-la a outros dentistas.
No primeiro encontro, Juca não olhava nos olhos de Adriana. Tremia quando ela encostava nele. Para tentar estabelecer algum contato visual com o garoto, Adriana experimentou vários brinquedos. Bolinhas de sabão, desenhos, bichos de pelúcia. A única coisa que despertava o interesse de Juca era um carrinho emborrachado. Aos poucos, Adriana foi empurrando o carrinho para dentro do consultório. Juca o seguiu. Com fita-crepe, Adriana prendeu o brinquedo no refletor instalado acima da cadeira de dentista. Juca sentou-se na ponta da cadeira e levantou a cabeça para espiar o carrinho. Adriana acomodou uma das pernas dele sobre a cadeira e afastou-se um pouco para ver como reagia. Como ele ficou bem, a dentista acomodou a outra perna.
Depois de dois anos de acompanhamento, Juca está acostumado a Adriana e seus apetrechos. Na última sessão, quem saiu da caixa de brinquedos foi um Chico Bento de borracha. Ela movimentava o personagem encaixado sobre o dedo indicador direito enquanto, com outros dois, tentava relaxar o queixo de Juca.
– Abra a boca para o Chico olhar – Adriana pedia.
– Ahhhhhh – ele respondia.
Juca parecia seguro. Apesar de todas as limitações, a comunicação entre eles fluía. Adriana conseguiu de novo.
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