A preocupação com as complexidades da saúde do paciente às vezes tornam o atendimento tão ortodoxo que impede de buscar soluções adequadas às idiossincrasias de cada indivíduo.
“É muito mais importante possuir  compreensão clara dos princípios gerais, sem considerá-los leis fixas e  definitivas, do que sobrecarregar a mente com um conjunto de técnicas  minuciosas… Para o pensamento criador é mais importante ver a floresta  do que as árvores”. - William Beveridge
William Beveridge foi um economista e reformador social que trabalhou  com Sir Wiston Churchill, Primeiro Ministro Inglês, na reconstrução da  Grã-Bretanha, durante e após a Segunda Grande Guerra. Beveridge  recomendava que o governo inglês encontrasse formas de combater os cinco  grandes males da sociedade: a escassez, a doença, a ignorância, a  miséria e a ociosidade. O Plano Beveridge, de 1942, era um plano de  segurança social extensiva, baseado no argumento da universalidade,  posto que as necessidades não atendidas repercutissem sobre toda a  sociedade, portanto, todos deveriam ter acesso aos serviços de saúde.
Mas, e daí? O que tem Beveridge a ver com os pacientes com  necessidades especiais? Você deve estar se perguntando. Nada. Ou tudo,  se olharmos suas palavras com carinho. Se analisarmos os males a que se  refere o economista, todos têm praticamente uma ligação com os PNE, e  mesmo a ociosidade mostra o descaso em que muitas vezes são tratados  esses pacientes. Porém, fundamentado em questões sociais do século  passado, Beveridge ainda nos brindou com uma citação, a qual nos remete à  essência da Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais: a  necessidade de sermos criativos.
Não, não se trata aqui de abdicarmos de uma forte base de estudos e  do rigor científico, mas a questão é: apenas os especialistas  conseguirão dar conta da alta demanda que essa população requer?
Os dados mais recentes do Conselho Federal de Odontologia mostram que  apenas 445 profissionais são especialistas na área, e esse número tende  a crescer lentamente devido ao pouco empenho de direções das faculdades  e de entidades profissionais.
Tradicionalmente, a Odontologia tem sido focada em técnicas  educacionais e motivacionais para prevenir ou controlar as doenças  bucais. Os profissionais de Odontologia têm procurado oferecer aos  pacientes programas eficazes de tratamento, mas não há “receita de bolo”  para tratar esse paciente. Pacientes com necessidades especiais  requerem criatividade, imaginação, experimentação e pesquisa, por isso  para a realização de um plano realístico de tratamento é necessário o  conhecimento da causa das patologias nesses indivíduos.
As classificações existentes, mesmo idealizadas com afinco por quem  as propõem, ainda são discutíveis; e fica difícil entender os PNE sem o  uso da criatividade (…) e experiência prática.
A criatividade parece não ser tão desenvolvida quando do ensino de  Odontologia. Claro que existem mestres preocupados em desenvolver seus  pupilos no decorrer dos cursos, mas geralmente eles se pautam em seguir a  programação pré-concebida e tchau.
Levando em conta a Odontologia para Pacientes com Necessidades  Especiais, a situação é mais contundente (isso quando a escola se dispõe  a “ensinar” essa disciplina para seus graduandos).
A preocupação com as complexidades da saúde do paciente às vezes  tornam o atendimento tão ortodoxo que impede de buscar soluções  adequadas às idiossincrasias de cada indivíduo.
Afinal quem é esse “paciente”? Inicialmente eram indivíduos que  apresentavam desvios de padrão de normalidade, especificamente  deficiência física e intelectual, e foram denominados “pacientes  excepcionais”.
Em 1981, sob os auspícios da Associação Americana de Odontologia  (ADA), os periódicos da Associação Americana de Dentistas de Hospitais,  da Academia de Odontologia para Pessoas com Deficiências e da Sociedade  Americana para Odontologia Geriátrica uniram-se para formar um único  periódico: Special Care in Dentistry (SCD). Esta foi a primeira vez que o  termo “special care” (cuidados especiais) foi usado dentro da  profissão.
Glassman e Miller, em 1998, propuseram que o termo “paciente com  necessidades especiais” se referia às pessoas que apresentavam  deficiências médicas, sociais, psicológicas ou físicas. Isso tornava  necessário modificar o curso normal de um tratamento odontológico.
Para Ettinger, os termos “Special Care Dentistry” e “Special Needs Dentistry” se tornaram, essencialmente, sinônimos.
Com o passar dos anos, essa terminologia “paciente excepcional”  acabou por se tornar extremamente restritiva e foi substituída por  “paciente especial”, por ser mais abrangente e por englobar outras  alterações além das deficiências físicas e intelectual. Atualmente, o  termo “paciente com necessidades especiais” (PNE) é considerado mais  elucidativo.
Com o conceito de “limitação de capacidade” utilizado pela  Organização Mundial da Saúde, estima-se que hoje, no Brasil, mais de 100  milhões de pessoas estejam direta ou indiretamente envolvidas com  pessoas com necessidades especiais.
Obviamente não podemos depender apenas dos especialistas e dos  abnegados profissionais, que tentam de uma forma ou de outra dar algum  tipo de atenção aos PNE, mesmo sem mínima formação técnica. Precisamos  de todos que possam ajudar. Estudem um pouco mais, peçam ajuda a quem  tem mais experiência, mas principalmente sejam criativos.
Garanto para vocês, sem estudos mais aprofundados, 50% daqueles que  consideramos “especiais” são tratados por qualquer cirurgião-dentista  formado no mês passado.
Os números parecem exagerados, se não tivermos boa vontade. Mas são  números expressivos e que apesar da frieza com que são apresentados  significam gente, pessoas que estão ao nosso lado, fazem parte do nosso  pedaço, vão à nossa praia, freqüentam nosso shopping.
Você não está vendo? Olhe para o seu lado! Se necessário, abra mais o  olho! Se ainda não conseguiu ver, tente olhar para dentro de si mesmo!
A sociedade generosa, boa de viver, será aquela na qual houver  justiça social somada à liberdade democrática e à sustentabilidade, isto  é, ao respeito à natureza e preservação de seus recursos e de seus  participantes. Preservemos nossas “florestas” e nossas “árvores”.

José Reynaldo Figueiredo: Cirurgião-Dentista. Odontopediatra. Especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais.
FONTE: ODONTOMAGAZINE 

 
 
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